quarta-feira, 6 de julho de 2011

Dormir faz parte do treino!

 

Dormir também é treino – parte 1 – Ondas cerebrais e hormônios

 Autores: Felipe Nassau e Paulo Mendes

http://www.trustsports.com.br

 

Introdução

            O sono é definido como um estado de inconsciência do qual uma pessoa pode ser despertada por estímulo sensorial ou outro estímulo, sendo fundamental para o bom rendimento profissional, intelectual, e, é claro, esportivo. O senso comum postula que uma boa noite de sono contribui para a longevidade e qualidade de vida. Porém, durante a “correria” cotidiana, muitos negligenciam a importância da quantidade e qualidade do sono. Além disso, hábitos inadequados dificultam ainda mais uma boa noite de descanso.
            Muitos são os que se dedicam bastante em seu treino e dieta, mantendo um bom planejamento para ambos, com execução e periodicidade adequadas. Ainda assim, com todo esse quadro favorável ao desenvolvimento físico, o simples hábito de dormir inapropriadamente pode influenciar de forma negativa o bem-estar e resultados almejados.

Sono diurno, vespertino, noturno e reparador

            Há algum tempo, sabe-se que o sono noturno é fundamental para cumprir função reparadora no organismo. Sua principal função é restaurar o equilíbrio natural entre os centros neuronais. Nosso sono é composto por fases e ciclos, sendo 5 estágios, repercutidos de 4 a 6 vezes durante a noite. O que poucos sabem é que a restauração das energias vitais, renovação dos tecidos musculares lisos e produção de hormônios reparadores ocorrem por alguns minutos, principalmente durante o sono mais profundo, chamado sono N.R.E.M (Non Rapid Eye Moviment – Sem Movimento Rápido dos Olhos). Então, a qualidade do sono é indicada pelo tempo passado nas fases mais profundas, e não pela quantidade total de horas dormidas. Nessas fases, além disso, as ondas cerebrais são reproduzidas em outras freqüências, que explica o profundo relaxamento.
            Maiores liberações de melatonina, hGH (hormônio do crescimento humano) e testosterona têm relações diretas com o sono profundo. Entretanto, a aplicação exógena do hGH – amplamente prescrito por profissionais adeptos da suposta “medicina ortomolecular” – está relacionada com hipertrofia apenas dos tecidos conjuntivos, podendo provocar pinçamento de nervos e dilatar tecidos internos no pescoço, desencadeando possíveis patologias relacionadas à apnéia do sono, prejudicando-o em suas respostas hormonais naturais. Sendo assim, com o passar do tempo, haverá a possibilidade em desenvolver patologias ligamentares, neurais e respiratórias.
Outro hormônio que pode ser afetado negativamente por distúrbios e falta do sono noturno é o IGF-1 (Insuline Growth Factor – Fator de Crescimento do Tipo Insulina 1), antigamente conhecido como Somatomedina C, que possui potentes características anabólicas e reparadoras.           
A produção/liberação de GH ocorre via eixo hipotálamo => hipófise => fígado => tecidos. De acordo com a resposta hormonal exigida, o hipotálamo secreta o Hormônio Liberador do Hormônio do Crescimento (GHRH), que estimulará a secreção de GH pela adeno-hipósife (hipófise anterior) que, por sua vez, atingirá o fígado fazendo com que seja liberado IGF-1 e, assim, induzindo as expressões e reparações teciduais. Como demonstrado, o eixo do hormônio do crescimento tem efeito endócrino, autócrino e parácrino.  
Nosso encéfalo emite diferentes ondas cerebrais durante o período de 1 dia (24 horas completas). Essas ondas elétricas são: Alfa (α), Beta (β), Delta (Δ) e Teta (Φ). Nosso cérebro trabalha em ondas alfa em dois períodos do dia: o despertar e o adormecer. É o período em que estamos com a freqüência cardíaca mais baixa, pressão arterial reduzida e atividades neurais (principalmente concentração e movimentos finos) mais passivas. À medida que vamos despertando, entramos em ondas Beta; quando há aumento da taxa metabólica basal, acompanhado da elevação da temperatura corporal, freqüência cardíaca e pressão arterial; ampliando assim nossas atividades neurais até o estado conhecido como “vigília”; momento em que estamos mais atentos, ativos e acionados. Durante o dia, passamos sempre em onda Beta, momento em que o cotidiano exige mais atenção e dedicação. Praticamos atividade física, exercemos atividades intelectuais etc. Nota-se, então, que nosso encéfalo “trabalha” muito durante o dia. Quando chega o período noturno, nossa mente já está cansada e começa a reduzir a quantidade de ondas emitidas. Essas ondas também são responsáveis por controlar os impulsos nervosos por todo nosso organismo; principalmente pelas vias eferentes. Logo, sai das ondas Beta e retorna às ondas Alfa. À medida que entramos em ondas alfa, começa a liberação de Melatonina – hormônio segregado pela glândula pineal – de forma pouco significativa. A quantidade produzida deste hormônio é diretamente proporcional à quantidade de hGH produzida durante o sono. Portanto, para aperfeiçoar a liberação desse hormônio, devemos adaptar o meio em que dormimos para o mais natural e agradável possível: pouca ou quase nenhuma luz, ausência de sons e evitar lugares muito quentes. Lugares com muita iluminescência, barulho e calor, inibem a liberação de Melatonina e, conseqüentemente, diminuem a produção do hGH. 
Quando pegamos no sono e realmente começamos a dormir, nosso encéfalo diminui a quantidade de impulsos elétricos emitidos. O primeiro estágio do sono ainda é atuante em baixa voltagem e fusos, um pouco menos ativos que as ondas alfa, um sono mais superficial; no segundo e terceiro estágio, essas ondas cerebrais começam a ser emitida em ondas Teta, onde já estamos em sono profundo. Em seguida, entramos na quarta fase do sono, onde se reduz ainda mais as ondas e entramos em Delta, onde a culminância das ondas está bem afastada. A segunda, terceira e quarta fases do sono (Delta e Teta) remetem ao sono NREM (não-REM), sendo os estágios 2 e 4 o sono mais profundo. E é durante essas fases que ocorrem a maior liberação de hGH; responsável em auxiliar todos os mecanismos reparadores teciduais (p.e. microlesões induzidas pelo treinamento; renovação dos órgãos) e, ainda, efeito lipotrópico otimizado. Este efeito lipotrópico é caracterizado por maior mobilização dos ácidos graxos livres para sua utilização para o fornecimento de energia. Essa oxidação ocorre pelo efeito lipolítico (utilização da gordura) do hGH. Deve ser ratificado também que é durante o primeiro ciclo de sono profundo (primeiras duas horas do sono) que ocorre o ápice de liberação do hormônio do crescimento. Após toda essa alternância de ondas cerebrais, nosso cérebro, curiosamente, retorna às ondas Betas e entra no sono REM, chamado sono paradoxal, onda há flacidez e paralisia funcional dos músculos esqueléticos. É nesse período que acontece a maior quantidade de sonhos.
O ciclo do sono corresponde a um período de 90 a 120 minutos, onde o indivíduo se encontra em estágios de sono não-REM e em seguida passa para o sono REM. Um segundo ciclo se inicia quando a pessoa regressa ao sono não-REM e, assim, as alternância de estágios do sono vão ocorrendo de maneira a totalizar 4 a 6 ciclos por noite. Durante a primeira metade da noite os estágios 3 e 4 do sono não-REM são predominantes; já na segunda metade, o sono REM passa a predominar sobre o sono não-REM.
Releva-se também o fato de muitas pessoas cometerem o erro absurdo de achar que dormindo à tarde vão produzir GH. Mito. Com a prática da “sesta” (dormir após aproximadamente 6 horas do despertar), ou a “soneca da tarde”, não haverá liberação nenhuma de GH; apenas uma reorganização de determinados pólos encefálicos específicos, que vão auxiliar na fixação de informações na memória. Sendo assim, o único ponto positivo de praticar a “dormidinha depois do almoço”. Infelizmente essa prática não é plausível para a maioria dos indivíduos.
            Um trabalho recente comparou o sono noturno e diurno em estado alimentado e de jejum com parâmetros hormonais relacionados ao diabetes tipo 2, além da expressão da proteína IGPBF-1, diretamente relacionada com doenças inflamatórias. Os resultados foram bastante conclusivos em afirmar que tanto o sono diurno quanto o estado de jejum aumentam sua expressão, elevando o risco de desenvolver o diabetes tipo 2. Além disso, a insônia está diretamente relacionada com a hipertensão arterial.
                             

Testosterona

            Sabe-se que o treinamento físico é capaz de induzir maiores concentrações de testosterona no organismo, a médio e longo prazo. É um hormônio esteróide sexual produzido em maior escala em homens, mas também nas mulheres. Possui ações favoráveis ao sistema imune, libido, límbico, tecidual, muscular (p.e. hipertrofia do músculo esquelético), e atua também no estado de vigília. Em contrapartida, excessos de treinamento, situações de overtraining e má alimentação podem reduzir drasticamente sua síntese e, em contrapartida, aumentar a secreção de outro hormônio esteróide: o Cortisol. Este neurotransmissor compete diretamente com os receptores de membrana da testosterona. Sua produção está relacionada principalmente ao estresse físico e mental.
            Estudos recentes demonstram que indivíduos com distúrbios de sono podem apresentar altas concentrações do hormônio cortisol em relação à testosterona, o que é prejudicial aos resultados e à saúde, podendo favorecer o overtrainig, lesões e irritabilidade. Tanto a continuidade do sono quanto a sua duração se mostram fundamentais à produção de testosterona, sendo que alguns estudos mostram que existe uma relação direta entre o sono e taxas de testosterona total e testosterona biodisponível (forma mais ativa). Essa mesma análise científica evidenciou que indivíduos com maior duração e qualidade de sono obtiveram maiores concentrações desse hormônio, o que também ocorreu com hormônios intermediários da testosterona, como o DHEA, que vem sido amplamente prescrito por médicos – estudiosos ou não – adeptos da linha ortomolecular; ou seja, é possível obter os mesmos benefícios hormonais, apenas cuidando da qualidade do sono, que também pode ser influenciado por exercícios físicos, dieta e nível de estresse.
            Outro dado interessante colocado nesse artigo é que pessoas com maior freqüência de atividade sexual também obtiveram taxas de testosterona total, biodisponível e de DHEA mais elevados. Assim, além do sono, temos mais uma prática natural e fisiológica que pode trazer benefícios à saúde. Além disso, sabe-se que após o orgasmo ocorre vasodilatação e queda da pressão arterial, que são situações favoráveis à qualidade do sono.
            Estudos mostram que o treinamento de força (musculação) é mais efetivo em promover melhoras desse hormônio, porém, excesso de treinamento ou a falta de períodos regenerativos podem comprometer o aumento dessas taxas hormonais.

Referências

  • U.S. DEPARTMENT OF HEALTH AND HUMAN SERVICES. The Seventh Report of the Joint National Committee on Prevention, Detection, Evaluation, and Treatment of High Blood PressureNIH Publication No. 04-5230 .August 2004
  • ALVES, P; POIAN, A. Hormônios e Metabolismo: integração e correlações clínicas. 1ª ed. São Paulo: Editora Atheneu, 2002.
  • GLEESON, M.; GREENHAFF, P.; MAUGHAN, R. Bioquímica do Exercício e do Treinamento. 1ª ed. São Paulo: Editora Manole, 2000.
  • GUYTON, A.; HALL, J.: Tratado de fisiologia médica. 11ªed. São Paulo: Saunders Elsevier, 2006.
  • HOWLEY, E.; POWERS, S. Fisiologia do Exercício: teoria e aplicação ao condicionamento e ao desempenho. 5ª Ed. Barueri: Manole, 2005.
  • JUNIOR, T.; PEREIRA, B. Metabolismo Celular e Exercício Físico: Aspectos Bioquímicos e Nutricionais. 2ª ed. São Paulo: Phorte, 2007.
  • Rehman JU, Brismar K, Holmbäck U, Akerstedt T, Axelsson J. Sleeping during the day: effects on the 24-h patterns of IGF-binding protein 1, insulin, glucose, cortisol, and growth hormone. Eur J Endocrinol. 2010 Sep;163(3):383-90. Epub 2010 Jun 29.
  • Karimi M, Koranyi J, Franco C, Peker Y, Eder DN, Angelhed JE, Lönn L, Grote L, Bengtsson BA, Svensson J, Hedner J, Johannsson G.J Clin Sleep Med. Increased neck soft tissue mass and worsening of obstructive sleep apnea after growth hormone treatment in men with abdominal obesity. 2010 Jun 15;6(3):256-63.
  • Copinschi G, Nedeltcheva A, Leproult R, Morselli LL, Spiegel K, Martino E, Legros JJ, Weiss RE, Mockel J, Van Cauter E. Sleep disturbances, daytime sleepiness, and quality of life in adults with growth hormone deficiency. J Clin Endocrinol Metab. 2010 May;95(5):2195-202. Epub 2010 Mar 23.
  • Goh VH, Tong TY. Sleep, sex steroid hormones, sexual activities, and aging in Asian men. J Androl. 2010 Mar-Apr;31(2):131-7. Epub 2009 Aug 14.
  • Santtila M, Kyröläinen H, Häkkinen K. Serum hormones in soldiers after basic training: effect of added strength or endurance regimens. Aviat Space Environ Med. 2009 Jul;80(7):615-20.
  • Tyyskä J, Kokko J, Salonen M, Koivu M, Kyröläinen H.Association with physical fitness, serum hormones and sleep during a 15-day military field training. J Sci Med Sport. 2010 May;13(3):356-9. Epub 2009 Jul 1.
  • CHRISTINA HALFORD, LISA EKSELIUS, INGRID ANDERZEN, BENGT ARNETZ;
  • KURT SVÄRDSUDD3 Self-rated health, life-style, and psychoendocrine measures of stress in healthy adult women. Upsala Journal of Medical Sciences. 2010; 115: 266–274
  • BRADLEY C. NINDL, WILLIAM J. KRAEMER,1–3,5 JAMES O. MARX,2,3 PAUL J. ARCIERO,KEI DOHI, MARK D. KELLOGG, AND GREGORY A. LOOMIS Overnight responses of the circulating IGF-I system after acute, heavy-resistance exercise. 90: 1319–1326, 2001. J Appl Physiol
  • Mary Fran Sowers,; Huiyong Zheng, Howard M. Kravitz, Karen Matthews,  Joyce T. Bromberger,  Ellen B. Gold,; Jane Owens,  Flavia Consens, Martica Hall. Sex Steroid Hormone Profiles are Related to Sleep Measures from Polysomnography and the Pittsburgh Sleep Quality Index.PhD  SLEEP, Vol. 31, No. 10, 2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário